Quem foi Miró da Muribeca
Poeta performático, o recifense Miró da Muribeca saiu da periferia da capital pernambucana para se tornar referência na poesia urbana.
“Deus largado pelas ruas de Recife / não sabe se dança frevo / ou vai atrás do maracatu / será que Deus também tem dúvidas?”
Miró da Muribeca
João Flávio Cordeiro da Silva nasceu em 1960 no Recife e morou por muitos anos no bairro de Muribeca.
O apelido com o qual ficou conhecido veio de Mirobaldo, jogador de futebol do Santa Cruz nos anos 70. Miró da Muribeca, que torcia para o time adversário, o Sport, pensou em seguir a carreira de jogador em sua juventude.
“Minha mãe me dizia assim: ‘Cuide bem da única coisa que sabe fazer, porque você não tem coragem de carregar um botijão de água nas costas. Então, cuide dessas coisas que você diz e escreve, meu filho, porque tem gente que gosta’”.
Miró da Muribeca em entrevista à Erika Muniz para a Quatro Cinco Um
Miró presenciou uma abordagem truculenta da polícia a alguns jovens no centro do Recife, o que o inspirou a escrever um de seus primeiros poemas, “Quatro horas e um minuto”, que faz parte de “Quem descobriu o azul anil?”, seu primeiro livro, publicado de forma independente.
“Quatro horas / Quatro ônibus levando vinte e quatro pessoas / Tristonhas e solitárias / Quatro horas e um minuto / Acendi um cigarro e a cidade pegou fogo. / Cinco horas / Cinco soldados espancando cinco pivetes / Filhos sem pai / E órfãos de pão”
“Cinco horas e um minuto / Urinei na ponte e inundei a cidade / Sei / horas / O Recife reza / E eu voando pra ver Maria”
Miró da Muribeca. “Quatro horas e um minuto”.
Além dos livros publicados, Miró era famoso por suas performances. Ao assistir uma apresentação do poeta e compositor Manuca Almeida, Miró, que já tinha ritmo de leitura, decidiu aprimorar seu potencial cênico para quando pusesse os poemas na voz.
Miró morou em vários bairros da Região Metropolitana do Recife, como Santo Amaro, Bomba do Hemetério, Ibura, Muribeca e Boa Vista, e em cidades como Fortaleza (CE), Petrolina (PE), Visconde de Mauá (RJ) e São Paulo (SP).
“A vida é um ônibus / vai levando você / o problema é em que parada / nós vamos descer”
Miró da Muribeca
Muitos de seus livros foram publicados de forma independente, como “Ilusão de ética” (1987), “Para não dizer que não falei de flúor” (2004) e “Meu filho só escreve besteira” (2017).
Várias obras, como “aDeus” e “O penúltimo olhar sobre as coisas”, foram publicadas pelo Mariposa Cartonera, coletivo artístico-editorial sediado no Recife que confecciona livros com capas de papelão reutilizado pintadas e costuradas artesanalmente.
“O dia de ontem dorme / para nunca mais voltar / volto para a casa / a chave denuncia a minha presença / no sofá jogo meus problemas / bem que dava pra comprar / uma máquina de lavar / e ficar limpo no Serasa”
Miró da Muribeca
Hospitalizado em novembro de 2019, por causa de complicações da Covid-19 e outras comorbidades, Miró chegou a escrever e lançar, em agosto de 2021, o livro "O céu é no 6º andar" (Edições Claranan) comemorando seu aniversário de 61 anos.
“Agora já sei o que fazer, vou me jogar pra dentro de mim para aprender como sair”
Miró da Muribeca
O poeta, que lutava contra um câncer, morreu em 31 de julho de 2022, no Hotel Central, em Recife, onde morava na época.
“Tá Deus, ganhei mais uma manhã. O que vou fazer nessa manhã? Amanhã você não sabe se vai ter outra manhã. Tô sem a bebida, tomando um cafezinho, porque não quero ir embora agora do quintal de Deus.”
Miró da Muribeca